Guardiões da Devoção 

Informativo Vaisnava -  Livros Vaisnavas

 

AS TRÊS GRANDES ONDAS DE

SRI CAITANYA MAHAPRABHU NO BRASIL

 

Por Vyasa Dasa

 

(Relato das três principais iniciativas de se estabelecer e manter o Vaisnavismo no Brasil, precisando fatos históricos relacionados a presença direta e indireta de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada (A Primeira Onda), Srila Bhakti Rakash Srila Sridhara Maharaja (A Segunda Grande Onda) e atualmente Srila Bhaktivendanta Narayana Maharaja (A Terceira Grande Onda)

 

 

SUMÁRIO

 (clique para acessar)

 

A Primeira Onda - Parte I

 

A Primeira Onda - Parte II

 

A Primeira Onda - Parte III

 

A Primeira Onda - Parte IV

 

A Segunda Onda - Parte I

 

A Segunda Onda - Parte II (ainda está sendo vivida)

 

A Terceira Onda (ainda em elaboração)

 

O Segredo

 

 

 

 

 “A Primeira Onda”

 

(por Vyasa dasa)

 

PARTE I

 

O Início do Trabalho de Srila Prabhupada no Brasil

 

MARÇO DE 1973

 Breve Introduções e Razões de trazer de Volta a História

 

Alguns amigos têm me perguntado sobre o início do Movimento no Brasil para Consciência de Krsna, ou como é conhecido mundialmente "MOVIMENTO HARE KRSNA" ou melhor, Sociedade Internacional para Consciência de Krishna (ISKCON),  do qual participei ativamente. E, seja em homenagem a verdade, seja por razões de foro íntimo ou por estar já com 50 anos de idade, sinto-me profundamente inclinado a começar a fazer algumas anotações, visando preservar e registrar a história do que ocorreu realmente, muito embora não possa negar que o faço também para inibir distorções de fatos da época, por parte de  pessoas pretensiosas visando atender  necessidades egoístas de auto-afirmação e conveniências pessoais podem sair por ai inventando a historia, o que no fundo tornaria mesquinho aqueles momentos.  Nosso principal desejo e preocupação é inspirar com o brilho natural daqueles momentos que  podem também entusiasmar a trazer a tona o espírito de dedicação imotivada que experimentávamos, verdadeiros momentos mágicos.

 

Estou começando a fazer este trabalho, mas não tenho pressa, e ainda me reservo o direito de revisar este relato sempre que entender apropriado para estabelecer de forma mais clara a verdade dos fatos, mesmo porque vamos ter que nos lembrar de fatos que aconteceram, alguns deles há 35 anos atrás, e apesar de ter sido muito importante para minha vida, porque vivenciei cada um deles, existem fatos muito íntimos, que estou avaliando se devem ou não ser comentados ou ainda como devem ser registrados até mesmo por uma questão de se poder entender o contexto geral e buscar tirar alguma lição ou aprendizado que possa trazer benefícios a todos.

 

Sei que não sou e nem tenho a menor pretensão de ser Juiz dos Fatos, ademais, entendo que não vale à pena lembrar ocorrências que podem ser vistas hoje em dia como fatos desagradáveis e até "ofensas", o que seria improdutivo e ruim para vida espiritual de todos.

 

Entretanto é meu propósito não me abster de relatar a mais pura verdade, e de certa forma documentá-la para a posteridade, ainda que algumas vezes tenha que ceder meus olhos ao leitor, passando minhas impressões pessoais,  no que pese a certeza de que os interessados nesses tópicos de coração aberto saberão apreciar corretamente a nossa narrativa, desde que, da mesma forma estejam  livre de  preconceitos na justa medida do possível.

 

Inicialmente, esclareço que pessoalmente não estou ligado direta ou indiretamente a nenhuma instituição Vaisnava, muito embora respeite a todas.  Freqüento timidamente o templo estabelecido por  Narayana Maharaja em São Paulo, perto de onde atualmente resido com minha família, local que me disponho a dar minhas contribuições pessoais, profissionais e financeiras e busco algum alento na tão importante associação com os devotos. Não me sinto muito à-vontade nos templos da Iskcon, onde, quando identificado, sinto que sou tratado com algumas reservas, embora tal comportamento não me afete.

 

Por outro lado me afastei completamente da associação dos devotos de Srila Govinda Marahaja por que não fui capaz de aceitar ofensas abertas a outros Vaisnavas e o regime de exclusividade exigido ao grupo (eles dizem ananya bhakta - serviço devocional exclusivo a um único Mestre e a seu grupo sob pena de falta de castidade).

 

Assim, no decorrer deste texto poderá surgir naturalmente  a seguinte indagação; porque as pessoas que já são aspirantes a devotos há mais tempo (supostamente "devotos antigos") não são tão bem tratados como os visitantes? 

 

Talvez, no decorrer da leitura do texto possamos entender juntos as razões de algumas, das muitas,  discrepâncias que no fundo infelizmente tem muitas mais razões econômicas e materiais decorrentes das necessidades institucionais do que do Vaisnavismo propriamente dito e do brilho dos nossos “Guardiões” que são com água fresca no deserto.

 

Profissionalmente sou advogado militante, atividade profissional que já exerço a mais de vinte anos e com a qual mantenho financeiramente minha família. Pratico com regularidade meu sadhana, cantando 16 voltas de japas cantando o Maha Mantra Hare Krsna e tenente as ofensas que devem ser evitadas no Cantar dos Santos Nomes e sim, é claro, continuo seguindo os princípios que me foram ensinados por Srila Prabhupada, o que faço por pura misericórdia, tendo tomado como meus Siksas Gurus, Srila Sridhara Maharaja e Srila Narayana Maharaja e seus seguidores que me iniciaram na pós-graduação dos mais puros conceitos do Vaisnavismo e a quem eu reverencio cada momento.

 

Tenho intenso desejo de manter amizade com todos os devotos, procurando manter o coração aberto para sempre, aprender com cada um deles. Sei que, almas espirituais corporificadas, como é dada a natureza humana, estamos sempre propensos a cometer erros, mas deixo desde logo bem claro que, no relato que estou me propondo espontaneamente a fazer, não tenho intenção de ser partidário ou tendencioso para algum grupo em particular e desde já peço desculpas se algumas lembranças forem particularmente desagradáveis para uns, mas entendo oportuno esclarecer que, meu principal propósito é simplesmente relatar fatos, posto que tanto a mentira como a meia verdade levam ao engano, e ninguém gosta de ser conscientemente enganado, embora seja melhor ser o enganado que o enganador, conforme preceitua Srila Sridhar Maharaja. Peço desculpas aos kalicelas de plantão, mas todos têm direito a esse passado, posto que se sabe que cada um colhe o fruto das sementes que plantou.

 

Não tenho pretensões materiais ou financeiras com esse esforço e desde já autorizo a quem quiser utilizar parte ou todo o texto abaixo, desde que, nos termos da Lei de Direitos Autorais seja citada a fonte e não haja inversão maliciosa das minhas palavras, sob pena de responsabilização.

 

 Presto minhas mais respeitosas reverências a meu amado Mestre Espiritual - Srila Prabhupada, desejando que me de as bênçãos necessárias para manter a minha imparcialidade e respeito honesto e despretensioso a todos os Vaisnavas.  Minhas reverências a Srila Sridhar Maharaja, meu Siksa Guru, de quem aprendi em complementação a orientação de Srila Prabhupada que devemos sempre perseguir o caminho do Coração, ansiando por misericórdia sem causa, posto que no campo da justiça nenhum de nós sairíamos totalmente ilesos e em decorrência teríamos pouca chance de manter nossa fé, a única coisa que nos acompanhará em todos os momentos.  Presto minhas reverências a Srila Narayana Maharaja que como uma Terceira Grande Onda de Sri Caitanya Mahaprabu aqui no Brasil vem trazendo entusiasmo para a manutenção das nossas vidas espirituais com o mais refinado conhecimento Vaisnava, abrindo as portas de conceitos tão confidencias quanto essenciais, para entender realmente o trabalho dos Grandes Mestres na Sucessão discipular genuína do parampara. Presto ainda reverências a todos os seguidores fidedignos desses Grandes Vaisnavas.  

 

Muito embora não precise de licença formal de ninguém para relatar os fatos históricos que me proponho, presto minhas humildes reverências também a cada um dos citados e lembro que o último propósito de nossas vidas está em servir aos desígnios da Suprema Personalidade de Deus.

 

JAYA SRILA PRABHUPADA

 

 

“A fonte primordial de todos os nossos atos foi, é, e sempre será "Jagad Guru" A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, ou simplesmente como seus discípulos o chamam "Srila Prabhupada".

 

Srila Prabhupada chegou ao Ocidente aos 70 anos de idade, no ano de 1964 do calendário solar Cristão Gregoriano. Aportou nos Estados Unidos, depois de uma longa preparação no templo de Radha Damodara no Dhama Sagrado de Vrindavana - pequena cidade perto de Nova Delhi na Índia,  e depois de uma viagem de navio, em razão de sua pureza de propósitos, que era seguir as ordens de seu mestre espiritual, e após aceitar o que era favorável para todos,  estabeleceu muitos templos e criou uma Sociedade que passou a ser dirigida por seus discípulos.

 Assim a maioria dos seus discípulos estavam ligados a Sociedade Internacional para Consciência de Krsna ou simplesmente ISKCON, mas curiosamente, mesmo com a presença física do Mestre Espiritual no planeta, nem  todos os seus discípulos  se sentiam encorajados com os propósitos institucionais daquela Sociedade (ISKCON) e curiosamente o MOVIMENTO PARA CONSCIÊNCIA DE KRSNA no Brasil começou  justamente com um desses discípulos que não se sentia atraído pelos "PADRÕES" da Iskcon.

 

 

 

ESPONTANEIDADE

 

Março de 1973

 

O fato é que, mesmo que a Instituição tenha ao longo dos anos  minimizado sistematicamente  esse detalhe, ao contrário do que todos pensam, o primeiro discípulo de Srila Prabhupada que esteve no Brasil e que começou a fazer um trabalho efetivo foi Siddhaswarupananda do Hawai.

 

 

 

 Siddhaswarupananda, que até hoje mantém seu programa regular,  não participava da Iskcon, muito ao contrário (http://xeniux.blogdrive.com/ - veja o texto "BEYOND SECTARIANISM AND RELIGIOUS FANATICISM").

  Porque enfatizamos isso? Por que é nosso desejo esclarecer que, no nosso humilde entendimento advindo da orientação de Nossos Guardiões, a Consciência de Krsna é um trabalho interno de cada um, e as instituições são meros instrumentos que visam facilitar a vida espiritual, mas que, são DESCARTÁVEIS. É essencial que haja verdadeira Consciência de Krsna para que a Sociedade seja considerada o corpo de Srila Prabhupada, ou seja, o corpo deve ser habitado pela essência e pureza para ter vida.

Sua Santidade Siddhaswarupananda chegou ao Rio de Janeiro por volta de março de 1973. Sentou-se na Praça General Osório, em Ipanema (RJ), conhecida como Praça Hippie e começou a cantar os Santos Nomes do Senhor. Dizem que na mesma época, ou por volta da mesma época, Hrdayananda Maharaja, esteve também no Brasil, mas o que se sabe é que ficou hospedado num dos hotéis da Orla marítima, e teve problemas de ordem pessoal, que preferimos aqui não relatar, indo em seguida embora.

 Siddhaswarupananda, seguindo o exemplo de Srila Prabhupada, sempre sentava e cantava com seu harmônio, na praça, o Maha Mantra Hare Krsna e com o tempo foi conquistando o coração de um pequeno grupo de pessoas que passaram a acompanhá-lo.

Posteriormente chamou outros três devotos amigos para o Brasil para auxiliá-lo e prosseguir o trabalho de divulgação dos Santos Nomes.

Bhakta Russel (como era chamado na época), hoje Radhapati, nome espiritual dado diretamente por Srila Prabhupada, ficou responsável pelo Rio de Janeiro, Druvananda, pai do devotinho Karnapur e sua esposa Tulasi foram para cidade de Salvador e Recife onde começaram a desenvolver um trabalho de pregação. Brisni foi para a cidade de São Paulo, onde fez o mesmo.

Conversando com a minha irmã espiritual Raga Bhumi, a mesma lembrou que foi desta forma que as primeiras sementes de bhakti foram semeadas. Acrescentou ainda o seguinte:

 

Raga Bhumi: “uma casa foi alugada em Santa Thereza e, conseqüentemente em outros estados também. E a partir daí se iniciaram vários programas de atividades espirituais que atraíram muitos curiosos e jovens desejosos de encontrar novos caminhos além do que a sociedade materialista oferecia para eles. Havia muitos hari-namas e distribuição de um livro pequeno azul com Krishna Kaliya na capa de uma entrevista dada por Sidhaswarupananda baseada nos princípios filosóficos genuínos de Srila Prabhupada, além das festas de domingo.”

“Alguns pontos relacionados à vinda dos devotos do Hawai ao Brasil, no período inicial do Movimento, como por exemplo, no Rio de Janeiro, poderão ser relatados com maior evidência por Catur Murti e Paravyoma dasa, como por exemplo, a vinda de Hanuman Maharaja, antes da vinda de Siddhaswarupa, e em São Paulo, sobre Brisni, por Lokasaksi dasa.”

“Após algum tempo, Dhruvananda veio se juntar ao Russel no Templo de Santa Thereza. Mas, deixou a semente do sankirtana jnana (o cantar dos santos nomes) já semeada no Nordeste.”

 

(Lembranças relatadas por Srimate Mataji Raga Bhumi devi dasi sobre sua rendição e o período inicial do Movimento)

 

 

 

“Fui uma criança muito introspectiva. Passava horas deitada no muro alto da casa de meus pais tentando entender o poder criativo de Deus. Tudo me atraia irresistivelmente, as estrelas, a lua, a chuva, o vento, o mar, a escuridão do céu, o brilho do sol e tudo que brilhasse no chão como pedras cintamani ou mesmo reflexos dourados da luz nos postes vistos através da janela de vidro do quarto como mosaicos coloridos, além da atmosfera de religiosidade em que fora criada. Meus pais eram católicos dedicados e seguiam um padrão brahmínico em relação à limpeza, honestidade, veracidade, leis kármicas, pontualidade e palavra dada.

 Conheci o Movimento num momento de grande inquisição. Tinha apenas 17 anos quando este processo inquisitivo eclodiu dentro de mim exigindo respostas urgentes. Queria saber quem era Deus, como encontrá-Lo e de quem fora a idéia tão inteligente de criar mãos e pés com cinco dedos. O ar que respirava que me mantinha viva, tudo funcionando de forma tão perfeita e receptiva. Já havia um lugar seguro no meu coração reservado para Ele, não só nos momentos contemplativos de realizações, mas também nos momentos mais difíceis. Ele era o meu único amigo.

Ouvi que primeiro precisava aprender a controlar a minha mente. Transformá-la na minha melhor amiga através de pensamentos positivos. Dediquei-me, então, a leitura de alguns livros de Yoga de grandes mestres, além do livro “Terceira Visão” de Lobsang Rampa, best seller de muitos leitores jovens e formadores de opinião da época. Ficava numa salinha escura tentando me abster dos pensamentos, chegando ao ponto de não utilizar mais açúcar, o que me ajudou bastante. A influência católica persistia na precaução de policiar pensamentos que não agradavam a Deus. Um Deus barbudo que ficava lá de cima observando tudo que fazíamos pronto para castigar. E aquilo me incomodava até certo ponto. Como pode um pai que ama seus filhos castigá-los pelo mínimo pensamento ignorante do verdadeiro conhecimento?

Eu costumava abrir a minha mente para minhas amigas mais próximas. Naquela época amizade fazia sentido, não invalidando, entretanto, amigas atuais, que comparo ao sol: “Mesmo que o sol não apareça todos os dias devido às densas nuvens de chuva, ainda assim ele está sempre presente.”

Certo dia, percebendo meu desejo ardente por respostas uma das minhas amigas convidou-me para conhecer um Templo Hippie em Santa Thereza (1973). Porém, antes disto, no meio da semana, tive que ir ao Centro da cidade para comprar linha na famosa Casa Arthur. Caminhando pela Rua do Ouvidor, curiosa parei junto a uma pequena multidão de pessoas para ouvir um grupo de jovens monges que tocava instrumentos musicais, com guitarra e atabaque. Eles se dividam em dois grupos, um em cima do muro e os outros embaixo. Irradiavam uma felicidade nunca vista antes, enquanto entoavam o maha mantra Hare Krsna. Pareciam seres de outros planetas. Nunca havia visto nada igual: Era de um surrealismo belo e indescritível. Queria ficar, mas tinha urgência em voltar para casa. Porém, o mantra continuava a invadir meus pensamentos persistentemente.

Mais tarde, minha amiga me deu o endereço de outra amiga, na Lapa, que me levaria até o templo em Santa Thereza. O apartamento estava impregnado de aroma de incenso. Numas das paredes havia um pôster de Krishna alimentando uma vaquinha com bolinhas doces. Este foi o meu primeiro encontro com a Pessoa Suprema que me guiaria dali para frente. Depois, ela pegou um livro chamado Bhagavad-Gita e explicou efusivamente e com muita sabedoria a essência da filosofia e quem era Srila Prabhupada, o fundador-acarya do Movimento para a Consciência de Krishna no Ocidente, além dos quatro princípios regulativos tão importante para uma vida espiritual sadia e ativa.

Essas duas amigas foram instrumentos decisivos na minha vida espiritual, através do Paramatma localizado no coração de cada entidade viva. Elas, aparentemente, nunca se renderam ao Movimento. Porém, depois que voltei ao Brasil já me encontrei em situações diferentes com cada uma delas e percebo claramente que são devotas em potencial de Krishna. Meus agradecimentos serão eternos a estas almas tão elevadas escolhidas por Krishna neste processo de auto-realização espiritual.

Após ouvir o Gita, subimos uma escadaria de muitos degraus até Santa Thereza. No meio do caminho já podia ouvir os sons de címbalos e meu coração exultava de curiosidade mesclada com satisfação

 

.

Chegando ao Templo me deparei com um pôster de Krishna e um verso do Gita ao qual renderia o meu coração. Krishna dizia:

 

sarva dharman parityajya

 mam ekam saranam vraja

aham tvam sarva-papebhyo

 moksayisyami ma sucah

 

-“Abandone todas as variedades de religião e simplesmente se renda a Mim. Eu libertarei você de todas as reações pecaminosas. Não tema! E estas palavras de Sri Krishna foram fundamentais para minha rendição.

A sala do Templo era iluminada por velas. Nos fundos da sala havia um altar. No centro um pôster de Radha Krishna. Radha estava com um sari vermelho e Krishna segurava uma das pontas do sári. Nas laterais, direita e esquerda do altar estavam as fotos de Srila Bhaktisiddhanta Saraswati e Srila Prabhupada.

Os devotos que encontrara no Centro da cidade estavam lá tocando e cantando plenos de alegria. O kirtana era acompanhado de guitarras e atabaques. A maioria dos devotos usava dhotis na cor branca ou amarela. Havia algumas devotas morando no Templo, como a Ana, que sempre se vestia de branco e traduzia as aulas do Russel para o português. Atualmente ela mora em Casemiro de Abreu e segue uma meditação budista juntamente com seu esposo. Maria (hoje Maha Yogesvara) procurando por emprego acabou encontrando o Templo e dali nunca mais saiu. E, depois, chegou Dhruvananda, esposa e filho. Os devotos se alimentavam de comida macrobiótica e pediam doações na Cobal para as festas de domingo.

A partir daquele momento passei a freqüentar o templo, levando comigo minha irmã caçula, Srimate Bhutamata devi dasi (um nome de Radharani), que prestou serviços relevantes a Srila Prabhupada na distribuição de seus livros e meu sobrinho de apenas dois anos, Anirudha dasa. Havia Hari Namas, até nos Carnavais no Centro da Cidade que era bem perto dali e de fácil acesso. Ninguém sabia que bloco era aquele, mas seguiam cantando acompanhando os devotos de volta ao Templo, tornando-se adeptos sinceros, além de participar das leituras do Gita na praia quando havia.

 

Vyasa Dasa: Desconhecemos ao certo qual foi o resultado do Trabalho de Druvananda  e sua esposa Tulasi assim como também de Brisni e sua esposa,  sabemos que desde então alguns poucos devotos vieram a se conectar ao trabalho iniciado no Rio, (entre eles Prabhu Bhamaka, Prabhu Yagni que eram de Recife e outros devotos de Salvador que vieram a aderir oficialmente o movimento em 1974/1975 em São Paulo, quando então já se estava estabelecendo a Iskcon do Brasil - acreditamos entre eles Jagad Bharata, Vicitra Prabhu e Dhanvantari M. que, ao que parece, tinham tido contato com Srila Prabhupada também nos Estados Unidos ).

Sridhaswarupananda tinha iniciado o trabalho de divulgação da Consciência de Krsna no Rio de Janeiro, e, antes de voltar para o Hawai, deixou como coordenador do trabalho o Bhakta Russel, um devoto americano do Hawai que sequer iniciado era, mas tinha uma vontade ímpar de levar a adiante aquela incumbência. Ele, o Russel, abriu um templo em Santa Tereza e lá todos os domingos tinha um Festival, onde era livremente distribuída prasada (alimento espiritual oferecido à Krishna), além de manter as atividades do templo vendendo livrinhos e essências Indianas.

 Desta forma, o Primeiro Templo no Brasil da Missão de A.C. Bhaktivedhanta Swami Prabhupada na cidade do Rio de Janeiro foi oficialmente dirigido por um Bhakta que tinha pouca noção de adoração de deidades, tanto que colocávamos um prato com frutas  e um copo de leite morno na frente de um pôster de Radha e Krsna e a devota, com um incenso na mão, ficava dançando sob o entoar dos mantras de oferecimento, no ritmo quente do atabaque e guitarra.

A maior parte dos devotos do Rio de Janeiro morava em Botafogo, Augusto, Romeu, seu primo Carlos, Cabeça e Costa nas imediações da Rua Voluntários da Pátria altura da Real Grandeza. No Humaitá moravam Lúcia (Raga Bhumi) e sua irmã Bernadete (Bhuta Mata) e eu (Vyasa). Márcio (Maha Kala) em Laranjeiras, Pedro Paulo (Paravyoma) na Urca.

Na época Augusto trabalhava na Feira Hippie, que funcionava somente aos domingos na Praça General Osório, em Ipanema. Romeu era artesão, mas adorava pegar onda.

Luiz e Erli moravam no templo e ajudavam a pagar o aluguel juntamente com outros artesões da Feira Hippie.

Ele tinha providenciado uma impressão de um livreto com texto de Sridhaswarupananda chamado “Amostra da Verdade Absoluta”. Era um livrinho com capa azul com Krsna em cima da Serpente Kaliya, que trazia uma explicação bem básica do Vaisnavismo, sem se preocupar com o aspecto institucional.

Na época, vários devotos freqüentavam o templo, dentre os quais me lembro do Dionísio, ator que naquele momento trabalhava na peça “Hair”, musical onde se cantava o Maha Mantra, a Ana, que a maior parte do tempo se ocupava das atividades que mais tarde identificaríamos como pujari (sacerdote da adoração) Pedro Paulo (Paravyoma Prabhu), Jorge (Jagad Bharata Prabhu), Flávio (Virocana Prabhu), os devotos acima mencionados, entre tantos outros cujas faces me vêem a mente, e que nesse momento não me lembro os nomes, mas que certamente terão seus nomes sempre associados aos primórdios de um trabalho bonito, ingênuo, despretensioso, que visava simplesmente tornar concreta a profecia de Sri Caitanya Mahaprabhu que os Santos Nomes do Senhor seriam cantados em Sankirtana em todas as cidades e vilarejos do Planeta.

Meu primeiro contato com o Movimento foi com um grupo de amigos na Escola que timidamente se reuniam nos intervalos das aulas e, no fundo da sala  cantavam o Maha Mantra Hare Krsna.

Bernadete (Bhutamata ou Banumati Devi Dasi), Costa, Fernando, cujo apelido era Cabeça e mais alguns amigos estudantes do Ginásio “Costa e Silva”, uma Escola Municipal que fica na Rua Assunção perto da Praia de Botafogo no Rio de Janeiro, tentavam seguir o exemplo de Prahlada Maharaja.

 

Quando me aproximei daquele pequeno grupinho no final da sala, eles tinham interrompido o suave cantar do Maha Mantra Hare Krsna e estavam decorando o mantra do Mestre Espiritual – Srila Prabhupada;

 

 

NAMO OM VISNU PADAYA

KRSNA PRESTAYA BHUTALE

SRIMAT BHAKTIVEDANTA SWAMI

ITI NAMINE

 

Depois daquele dia, minha vida tomaria outros rumos, não sendo por acaso que antes mesmo de aprender o Maha Matra Hare Krsna, aprendi o mantra de reverências de Srila Prabhupada, a aquém aprendi a respeitar e a honrar cada dia do resto da minha vida.

 Bernadete, coleguinha da mesma sala escolar desde o primário, era a mais bem informada do Grupo porque freqüentava o templo com a sua irmã Lúcia. Ela me convidou para ir á festa de domingo onde se cantava e dançava.

Assim foi que no Domingo, dia 29 de novembro de 1973, meu pai me levou ao Templo, localizado na Rua Joaquim Murtinho. Chegando lá podia sentir logo na entrada aquele cheiro maravilhoso de jasmim de um frondoso arbusto que tinha  na entrada do templo.

Entrando pela casa,  no átrio principal, além de uma escada que dava acesso ao segundo andar, ingressava-se numa segunda sala onde ficava o templo.

 No altar, feito de uma cristaleira ou armário de estilo antigo, sem as portas dianteiras, se via de um lado foto do rosto de Srila Prabhupada sorrindo e caminhando entre as pessoas e de outro, uma foto do “Panca Tattva” e no meio um pôster grande de Radha e Krsna.

 

 

Num canto da sala se via a inesquecível figura de Gopala, o vaqueirinho de Vrindavana, sendo os visitantes desde logo alertados do perigo de admirá-lo, posto que uma vez cativado jamais seria capaz de esquecê-lo.

 

 

Atrás do altar se via um grande pano de estilo indiano que dividia o espaço da sala do templo com uma varanda, onde se tinha uma bela vista que incluía ao longe o relógio da Central do Brasil.

 

Ouvimos uma aula de Bhagavad Gita de Srila Prabhupada, onde um devoto traduzia o texto com os comentários de Srila Prabhupada e depois Bhakta Russel explicava mais detalhadamente a filosofia.

 

 Ao final da aula foi servida prasada (e, me movimentando livremente pelo templo alcancei a varanda onde o Bhakta Pedro Paulo (Prabhu Paravyoma) se digladiava com um respeitável prato de prasada. Sua concentração era tal que desde logo afastou-me, inibindo meu intento de inquiri-lo sobre a Verdade Absoluta. Boas lembranças me trazem essa grande alma. Suas idiossincrasias eram, como até hoje o são,  objeto de bem humorados comentários entre os devotos que o conhecem e já partilharam de seus passatempos transcendentais as avessas, tão pândegos que eram, o que não lhe retira de forma alguma sua importante participação nos diversos momentos que se sucederam, mesmo porque, talvez por proteção, talvez por ingenuidade, apesar de profundo conhecedor dos sastras, que é, jamais se habilitou a cargos de liderança, ao contrário, com grau universitário, sempre foi inquisitivo, jamais compactuou com injustiças geradas pelas conveniências exclusivamente institucionais, que ignoravam o lado bhakti do serviço em nome das metas almejadas.

 

Talvez por isso, Prabhu Paravyoma Das,  tenha sido solicitado a deixar o templo (expulso)  já no primeiro templo da ISKCON na Afrânio Peixoto, no Bairro do Butantã em São Paulo, templo que será mencionado mais adiante, mostrando, já naquela época profundo apego por Srila Prabhupada, vindo a acampar no Jardim situado na frente da casa até ser aceito novamente. Criador do mantra "hariSamba lele", (harikrsamramarere - forma reduzida de cantar o mantra Hare Krsna Hare Krsna Krsna Krsna Hare Hare,  Hare Rama Hare Rama Rama Rama Hare Hare), dava exemplo  de como era importante cantar atentamente os Santos Nomes, prestando atenção em cada palavra (óbvio isso no começo premido pelo ímpeto de cantar rápido). Ao que sabe, até hoje, posto meio de lado,  ainda mendiga a oportunidade de servir a Srila Prabhupada, e apesar de fazer anos que não tenho contato com esse Grande Devoto, tenho por ele grande respeito e admiração.

 

No Templo de Santa Teresa em 1973, as aulas tinham diferentes escopos, mas normalmente eram voltadas para explicar a importância de seguir os quatro princípios, com ênfase para a não intoxicação ou uso de drogas, mas ficava claro e evidente desde logo que para ser devoto não havia concessões ou meio termo, sendo evidente respeitar os quatro princípios básicos.

 

1. - Não comer carne, nem peixe, nem ovos

2.- Não se intoxicar

3. - Não praticar sexo ilícito (fora do casamento)

4. - Não praticar jogos de azar

 

 Boa parte dos devotos antes de entrar no templo já eram vegetarianos, assim as aulas buscavam elucidar que muitos animais, tais como a vaca e os macacos também são vegetarianos e o princípio de não comer carne, nem peixes, nem ovos era simplesmente em razão de que Krsna não aceitava tais alimentos e que todos os alimentos deviam ser oferecidos antes de serem ingeridos.

 

 Por isso, aprendíamos desde logo os mantras de oferecimentos, iniciando pelo mantra de Srila Prabhupada , depois Srila Bhaktisidhanta, Namo Maha Vandanaya, Namo Brahma devaya, o mantra do Panca Tattva e o Maha Mantra. (como oferecer prasada).

 

 Tanto que nos momentos que nos reuníamos,  naquela época, o sistema para oferecer era por o alimento (normalmente frutas cortadas e leite) no altar e se começava o coro de devotos cantando esses mantras.

 

 A Ana, se postava em frente ao altar  e na frente de todos, acendia um incenso, e começava a oferecê-lo dando voltas em torno das fotos, enquanto dançava a seu modo, lá  permanecendo até o final das orações. Depois se cantava para Nrishingadeva.

 

 Alguma ênfase também era dada para os princípios de não fazer sexo ilícito e se manter afastado dos jogos de azar, porque ambos tiravam a tranqüilidade necessária para pratica da vida espiritual.

 

 Os devotos falaram-me da importância de cantar os santos nomes na Japa e  resolvi que queria ter a minha. Enquanto isso era servida, em pequenos pratos de papel e copos descartáveis, a prasada, onde se encontrava mamão, doce de abóbora em cima dessas preparações, quase que boiando, além de uma generosa porção de pipoca acompanhada de um delicioso suco de frutas, onde se podia sentir o gosto de mamão e banana.

 

 Mas tarde entendi o cardápio das festas de domingos. As frutas era resultado das doações feitas pelos feirantes da Cobal Humaitá, no bairro de Botafogo (justamente em frente de onde eu morava) aos domingos à tarde, com base no fato de que o mercado não funcionava as segundas feiras. A pipoca era a única preparação que se comprava.

 

 Meu pai gostou do templo, mas jamais acreditaria que eu fosse levar tão a sério aquele movimento.

 

 De minha parte, comprei as contas de madeira e fiz a minha primeira Japa cantando 16 vezes o Maha mantra em cada conta que fiava,  a partir daí passei a cantar regularmente o Maha Mantra nas contas da Japa.

 

Raga Bhumi: “No início do Movimento não existia japa de tulasi, por isso fabricávamos a nossa própria japa com contas de lágrima de Nossa Senhora compradas nas lojas.”

 

 Vyasa Dasa: Comecei então a freqüentar o templo regularmente, com certa dificuldade em razão da minha pouca idade. Na época tinha de quinze para dezesseis anos e ainda me lembro como se fosse hoje a bronca que recebi de um devoto por ter me sentado de costas para o altar. Lembro-me que fiquei chateado, até chocado, mas não deixei que tal fato me tirasse a concentração para entender a explicação que era dada.

 

 Naquele tempo, os devotos costumavam explicar o que era o movimento Hare Krsna usando as fotos do Bhagavad Gita de Srila Prabhupada.

 

 

Os visitantes sentavam com o devoto e as fotos eram mostradas, uma a uma, e era explicado o seu significado, começando pelo mestre espiritual, parampara, lembrando sucintamente cada história que as fotos envolviam.

 

Raga Bhumi: “Muitos grandes devotos, discípulos de Srila Prabhupada, incluindo Matajis se renderam ao Movimento desta forma. O Bhagavad-Gita era explicado de uma forma sucinta e sábia, já que todos eram pregadores em potencial da filosofia. Muitos hoje continuam fiéis a Srila Prabhupada, são casados e pais de filhos devotos bastante sinceros e devocionais.

 

 Vyasa Dasa: Nada muito filosófico, o básico, mas claro e eficiente, quantas vezes me socorri da lembrança da história do pássaro que depositou seus ovos na areia da praia.

 

 “Aquela história do pássaro que teve seus ovos tomados pelo oceano e ao solicitar de volta não aceitou a recusa, ameaçando-o esvaziá-lo.

 

 Pois é, o Oceano, fazendo pouco caso daquele pequeno pássaro, deu risada diante das ameaças, sabendo que as mesmas seriam inexeqüíveis.

 

 Mas o pássaro não se  intimidou não, e iniciou seu esforço indo até a beira do oceano e enchendo seu biquinho de água dirigiu-se para longe da margem, cavou um buraquinho e ali depositou aquela pequena porção de água que recolherá do vasto oceano.

 

Não se sabe quantas vezes aquele pássaro repetiu a mesma operação. Mas, sua atitude firme e determinada, logo chamou a atenção do Grande Pássaro Garuda, carregador do Sr. Vishnu. Comovido com aquele esforço Garuda interferiu na relação do Oceano com o pequeno pássaro e reforçou a ameaça feita ao Grande Oceano, que, apesar de muito amplo e forte era conhecedor do poder de Garuda, e, imediatamente devolveu os ovos daquele pequeno e frágil pássaro”.

 

 Ainda hoje me lembro dessa história, que apesar de mais parecer um conto infantil, me incentivou e ainda me incentiva, a ter fé na Providência Divina, na Justiça e principalmente na Misericórdia, uma vez que, como o pássaro, podemos seguir as ordens de Srila Prabhupada, ainda que não sejamos capazes de pelas nossas próprias forças alcançar tal objetivo. 

 

COMPROMISSO DO CORAÇÃO

 

Todos os domingos por volta das 12h00min, era certo os devotos estarem na Cobal do Humaitá para pedirem doações de fruta, vegetais e flores que seriam utilizadas na festa. As doações eram muito importantes e os devotos costumavam ir de barraca em barraca pedindo.

 Para nós, que não estávamos acostumados, era uma experiência nova, especialmente diante da boa vontade dos barraqueiros que inclusive guardavam em local já previamente combinado, o que seria doado, outros, entretanto viam na nossa solicitação a oportunidade de se livrar de frutas já quase passadas, nós, não recusávamos nada.

 

 Entre uma japa e outra prosseguíamos naquele esforço.

 

Raga Bhumi: “Anos mais tarde, quando fomos morar em Caixas, na época em que Maharaja Purusatraya era Presidente do Templo, minha mãe costumava ir a Cobal antes dos devotos chegarem e pedia para os barraqueiros guardarem as melhores caixas de Bhoga. Em troca ela levava bolos, que ela mesma fazia para agradá-los. E funcionava.”

 

Vyasa Dasa: Um dia me pediram para fazer uma preparação e ante a grande quantidade de aipim (ou como dizem no norte nordeste mandioca ou macaxeira) resolvi fazer uma torta de aipim, fui ao mercado comprei leite de coco, açúcar e manteiga e depois de lavar bem o aipim, descascá-lo, cortei-o e o cozinhei até ficar bem macio. Depois amassei, coloquei manteiga, leite de coco e açúcar levando ao forno depois.

 

Fiquei muito orgulhoso quando observei minha  preparação ser levada para o altar, onde seria oferecida a Srila Prabhupada e a Krsna ao som de atabaques, chocalhos, karatalas  e guitarra tocada pelo Augusto, que também puxava o coro. Alguns devotos dançavam, outros, entretanto permaneciam sentados e batiam palmas.

 

 A preparação foi um sucesso e depois disso sempre era convocado para repeti-la. Naquela época, o acesso a cozinha era livre, e, qualquer pessoa que estivesse medianamente limpo podia exercitar seus dotes culinários.

 

Um dia, depois dos mantras, observei que um dos convidados tinha recusado o prato de prasada. Curioso, me aproximei dele e indagando porque não queria prasada, ele me revelou que gostava muito de prasada, mas sempre que tinha uma preparação de aipim ele preferia não comer, porque não gostava dela.

 

Tal fato foi um balde de água fria nos meus brios culinários, mas percebi que teria que, de um lado providenciar um prato sem aipim para ele e de outro baixar minha bola para aprender a respeitar o gosto de terceiros, entendo que era muito difícil agradar a todos.

 

O Templo tinha programas regularmente todos os dias de manhã e a noite, quando então eram oferecidos leite e frutas que em seguida era distribuída entre os presentes (o oferecimento era exatamente o mesmo do descrito acima).

 

De vez em quando, os devotos resolviam ir fazer sankirtana na praia (Sankirtam no seu sentido próprio – Cantar Hare Krsna), normalmente isso acontecia na praia do Leme em frente ao Othon Hotel, (acho que atualmente tem outro nome), ou seja, na esquina da Avenida Princesa Isabel.

 

Outras vezes, o Russel era convidado para dar palestras em Instituições Religiosas ou Escolas Místicas, onde as palestras explicativas acerca do sentido existencial da alma e a Consciência de Krsna iluminavam as vidas das pessoas dando um propósito as próprias praticas espirituais ensinadas nas instituições ou do próprio conceito elementar de Yoga, e no mais das vezes estabelecia um parâmetro essencial para os esforços ali desenvolvidos.

 Houve momentos, entretanto, que, já naqueles dias surgiam as oposições, como foi o caso do que aconteceu na Escola do Professor De Rose, na época estabelecida em Copacabana acabou se tornando antagônico aos Devotos, por não poder impedir que quase todos seus alunos aderissem ao Movimento Hare Krsna, como foi o caso da Ana.  

 

Sridhaswarupananda tinha iniciado o trabalho de divulgação da Consciência de Krsna no Rio de Janeiro, e, antes de voltar para o Hawai, deixou como coordenador do trabalho o Bhakta Russel, um devoto do Hawai que sequer iniciado era, mas tinha uma vontade impar de levar a adiante aquela incumbência. Ele, o Russel, mantinha as atividades do templo vendendo livrinhos e essências Indianas.

 

Importante frisar que, já na época, o Prof. De Rose tentava estabelecer seus conceitos particulares de Yoga, com praticas hibridas derivadas do sistema óctuplo de Yoga de Patanjali e aparentemente nada mais era que uma mistura de Hatha Yoga, RajaYoga e para as alunas mais avançadas Tantra Yoga destorcido, com insistente e inútil ênfase a pronúncia da palavra Yoga, que como objeto de marketing não deveria ser pronunciada YOGA e sim o YÔGA, com o “o” fechado, abstraindo-se o que poderia ser dito acerca da palavra Yoga propriamente dita, ou seja União entre o ser vivo e Deus, assim como Religião que deriva de “religare” ou reunião do homem com Deus.

 

O Sr. De Rose, mais ou menos que desmascarado em suas atividades, desde então, passou a ser enérgico combatente dos devotos, criticando abertamente adoração de Deidades, a Bhakti Yoga, o último estágio do sistema de Patanjali, no que pese ter sido instituído nessa fase a adoração das Deidades e de tudo mais que envolvia esse avançado e milenar conceito de União do Homem com o Supremo.

 

Russel, apesar de um simples Bhakta, tinha plena consciência do que estava fazendo  e passava clara e abertamente para os devotos que, Srila Prabhupada era o líder do Movimento Hare Krsna, mas ele e Siddhaswarupananda nada tinham a ver com a instituição que havia sido criada em torno de Srila Prabhupad, a Iskcon.

 

Russel e Siddhaswarupananda, americanos do Hawai, não concordavam com o tom impessoal, arrojado, mercantilista e até agressivo no estilo “capitalismo selvagem empresarial” que a Iskcon deixava transparecer nas suas atividades e até aparentemente incentivava.

 

Eles entendiam que a Consciência de Krsna não devia ser tratada como uma empresa onde a concorrência por cargos mais altos justificavam atos claramente incoerentes com a própria essência do que Srila Prabhupada ensinava.

 

Fomos descobrir muitos anos depois que tal visão antagônica, de fato, tinha fundamento, posto que até hoje exista realmente uma inversão de valores na instituição, onde os assim ditos "lideres" buscam se manter em seus autos postos a todo custo como fosse emprego e os "sanyasis" que deveriam ser homens renunciados e bem versados, abertamente exigem salários e mordomias como se fosse uma profissão e tudo em nome do que eles denominam "pregação". 

 

Observem que não vai ai qualquer intenção de ofender a quem quer que seja, mas é obvio que existe algo errado. Que show externo de Consciência de Krsna não pode servir de justificativa pela luta de melhor marketing e desenvolvimento econômico. Estes poderiam até ser justificado pelo desejo pessoal derivado de uma visão limitada de ver os projetos de pregação prosperar, mas explorar as pessoas de boa fé  utilizando os argumentos Vaisnavas nos parece impróprio, assim como uma relação onde  Guru,  se beneficiando da boa fé do discípulo trata-o como um empregado, demandando dele resultados materiais ou mesmo tratamentos especiais, se não houver verdadeiro entendimento do que significa, mais cedo ou mais tarde destrói a fé de qualquer um, seja do discípulo, seja de terceiros que observem tal fato.

 

O certo é que em algumas instituições o status de "sanyasi"  que deveria ser um voto de pobreza e entrega sem apegos, virou sinônimo de "profissão" e como muitas pessoas que chegavam ao movimento não tinham qualificação material ou profissional, o melhor negócio passou a ser "sanyasi" ou então líder, porque davam posição e prestígio, ou seja, facilidades e nesse processo se esquece o principal "Cantar Hare Krsna e Ser Feliz" e "Vida Simples e Pensamentos ELEVADOS".

 

Então, continuando,  já naquela época, Russel, sempre alertava contra os devotos da Iskcon, advertindo que eles fariam qualquer coisa para ter mais poder e dinheiro, inclusive, se necessário fosse pisar na cabeça dos que estivessem na frente para ficar mais visível. Para eles, dizia Russel, o conceito de avanço era distorcido, dando muito mais ênfase ao resultado econômico das atividades e que, conforme ficou demonstrado mais tarde a Empresa Religiosa era mais importante que as palavras ou os desejos do próprio Guru, ou até mesmo da pessoa do próprio Guru que é utilizada como instrumento, só respeitando o que é conveniente.

 

 Sabíamos que era importante o resultado econômico, visto que finanças saudáveis possibilitavam a implementação de vários outros trabalhos devocionais, mas não devíamos esquecer que mais importante que apresentar resultados financeiros, era estarmos situados apropriadamente num padrão de consciência de Krsna que nenhum dinheiro do mundo podia nos dar, poderia até ajudar, mas o esforço e o resultado seriam internos.

 

Naquele momento aprendíamos à alegria da Consciência de Krsna dentro da liberdade dos conceitos meramente institucionais, tanto que posteriormente tivemos oportunidade de vivenciar sankirtana sem abrigo de uma estrutura física, como comentaremos mais adiante.

 

 A casa de Santa Tereza era muito acolhedora, Bhaktim Maria (Mãe Maha Yoguesvara) magrinha e sempre sorrindo era eficiente e silenciosa nas preparações, Druvananda sua esposa Tulasi e seu Filho Karnapur, de vez em quando vinham de Salvador e Recife, locais onde tinham sido designado ficar e pousavam no templo, assim como Brsni e sua esposa que inicialmente  estavam em São Paulo e depois foram para Recife também e  tantos outros, como Lúcio Valera (Lokasashi), que muito eficientemente limpava o chão do templo.

 

 As aulas de Druvananda, já em português "mal fluente", explicava a importância de evitar as drogas que, apesar de elevarem o nível de consciência material por determinado período, ao final jogava o usuário num ciclo interminável de angústia, revelando que o cantar da Japa poderia transpor o nível de consciência material abrindo as portas de níveis superiores e o entendimento advindo desta visão.

 

 Um senhor que freqüentava o templo me presenteou com um Bhagavad Gita Como Ele É, de Srila Prabhupada em Inglês obtido numa livraria da Rua Senador Feijó, no Centro do Rio de Janeiro. Era um bom amigo e ele não fazia idéia de como estava agradecido com aquele presente, até hoje não sei porquê fui merecedor daquele lembrança, mas certamente jamais serei capaz de lhe retribuir.

 

 

1974

Um certo dia, Russel teve problemas com a Polícia e foi dado prazo para que ele fosse embora do Brasil.

Ele tinha que devolver a casa – o Templo de Santa Tereza estava acabando, e não teríamos mais onde nos encontrar, grande tristeza e insegurança se abateram sobre nós.

 

Rapidamente começamos a nos organizar tentando conviver com o fato de não ter mais uma casa onde poderíamos nos reunir.

Russel deixou os karatalas sob os meus cuidados e os devotos daquele momento em diante teriam dia e hora para se encontrarem. 

 

O dia era todos os sábados, sempre na parte da tarde o local era a praia do Leme em Copacabana em frente ao Othon Palace Hotel na esquina da Avenida Princesa Isabel.

 

Aquele local, diante da praia passaria  a ser nosso templo, nosso lugar de adoração, onde estaríamos glorificando Sri Caitanya Mahaprabhu.

 

A praia do Leme já havia sido anteriormente escolhida como ponto de encontro dos devotos, local muito apreciado na parte da tarde pela vista e frescor do mar, era sem dúvida muito acolhedora ao cair da tarde, depois dos dias de calor muito comuns no Rio de Janeiro.

 

 Mal tínhamos idéia dos dias de frio e chuva que viriam.

 

 Numa das vezes que estávamos cantado na praia tive que ir embora e por solicitação do Luiz deixei os karatalas que me haviam sido confiados pelo Russel, foi a última vez que vi aquele instrumento, segundo ele,o Luiz, os mesmos tinham sido esquecidos na praia.

 

Paralelamente aos encontros na praia, que ficaram cada vez mais rareados em razão dos dias de chuva e frio que se dava com uma constância maior que a normal, ou pelo menos assim percebíamos, tínhamos, como alternativa a possibilidade de nos encontrar em pequenos grupos. Romeu estava acostumado  pelo menos uma vez por semana ir cantar o maha mantra na rua. Ele seguia andando e sempre que me chamava ia com ele. Saíamos da Real Grandeza passávamos por Copacabana, Ipanema, Gávea chegando pelo Jardim Botânico, Parque lage e Humaitá.

 

Raga Bhumi: “Costumava ir com Romeo para ruas de Copacabana, na altura da Figueiredo Magalhães. Lá colocávamos um pano indiano no chão e os livros que possuíamos iniciando um pequeno kirtana com nossas kartalas. Realizávamos, também, Hari Namas em Copacabana e era muito extático. O entusiasmo era a nossa chave mestra para manter os devotos unidos divulgando a mensagem da consciência de Krishna as entidades vivas que passavam.”

 

Vyasa Dasa:Também, uma outra alternativa era o sítio do Cláudio (Catur Murti) em Posse, cidade depois de Petrópolis. Bhakta Cláudio, cabelos e barba vastos, roupas amarrotadas, era um Yogue propriamente dito, daqueles que praticam asanas despidos às quatro horas da manhã com um frio de 0º (zero graus). Era uma pessoa bastante austera, pouca alimentação, voz pausada, passos pensados, mas mesmo assim, seria na falta do Russel, aquele que olharia para frente em direção ao progresso. Hoje em dia, esse velho companheiro e amigo, depois de voltar da Índia de maca com fedre tifóide e ameba infecciosa, por ter viajado de carro de boi pela Região de Mayapur, fazendo Sankirtana, se afastou, e a última notícia que tenho dele  é que se formou em psicologia, tinha se casado e aberto um consultório na Rua Alfredo Chaves, no Humaitá, Botafogo, em frente à Cobal.

 

FAZENDA NOVA AYODHIA

 

 

 

FOTOS EXTRAÍDAS DO ACERVO PESSOAL DE LOKA SAKSI DASA (LÚCIO VALERA)

http://www.orkut.com.br/Album.aspx?uid=15833909335652633572&aid=1

 

 

 A primeira que vez que fomos à casa de Cláudio nos perdemos de tão longe que era. Como ninguém tinha carro, fomos de ônibus. Ingênuos, chegamos ao local denominado “Posse” já escurecendo e, apesar de termos um mapa, desconhecíamos o significado da palavra "bifurcação" e depois de tentar por horas achar o sitio do Cláudio chegamos à conclusão de  que estávamos perdidos e tivemos que dormir perto de uma espécie de  curral.

 

Raga Bhumi: “Não havia percebido que se tratava de um curral. Naquela época éramos muito destemidos e ali nos acomodamos, acordando no dia seguinte com o mugido das vacas.

 

Vyasa Dasa: Ao amanhecer descobrimos que o local que ficava o Sitio do Cláudio era de difícil acesso, ficava a 12 km em estrada de terra, por onde não passava transporte regular. Foi uma aventura. Bons momentos para cantar Japa e confiar no Guru.

 

Finalmente lá chegamos, depois de subir morro e descer morro, não podíamos ignorar a intenção do Cláudio se afastar da humanidade. No local já estava Lúcio (Lokashasi) que aparentemente tinha ido morar no local, assim como outros devotos que já tinham chegado.

 

Essas reuniões eram possíveis durante feriados, e só então percebíamos quão importante eram aquelas raras oportunidades de nos associar e cantar os santos nomes, tomar prasada e ler o Gita, cada um tinha que entrar com uma parte, nada era fácil, mas era fruto da mais pura espontaneidade e isso tinha valor.

 

Chega da Iskcon

Raga Bhumi: Formou-se um grupo coeso, porém Russel tinha planos de ir para outro estado e ninguém quis acompanhá-lo. Mais tarde, partiu de volta para seu país e o templo fechou. A partir daí o grupo passou a se encontrar em diferentes lugares, a cantar japa juntos, especialmente em Ekadasi (64 voltas), festas em lugares públicos, como na Quinta da Boa Vista (Radhastami), organizada pelo Cláudio (Catur Murti), leituras do Gita e livro de Krishna.

 

Um dia fui chamada para uma reunião na esquina da Rua Marques em Botafogo pelo Augusto. Romeo e o Paravyoma estariam lá também. O grupo estava se dividindo, os que queriam seguir os devotos do Havaí e os que queriam seguir Srila Prabhupada diretamente, apesar dos devotos do Hawaí desejarem seguir Srila Prabhupada de forma mais espontânea. Era noite de lua cheia. A lua estava belíssima. Olhando para ela, orei para que Srila Prabhupada viesse e estabelecesse o Movimento no Brasil. Lembro que orava da seguinte forma: Srila Prabhupada, por favor,  venha, este é o momento.

 

Fui para casa um pouco desesperançada com a situação, mas logo me senti aliviada ao receber um telefonema do Paravyoma avisando que Srila Prabhupada havia enviado dois devotos para abrir oficialmente um templo no Brasil. Um devoto era canadense e o outro de Puerto Rico que se chamavam, respectivamente, Sriman Mahavira das e Lokabandhu Prabhu.

 

Chegada da Iskcon

Fui ao encontro deles em Ipanema na casa do Cláudio (Catur Murti) e Mahavira perguntou o meu nome. Ao responder ele disse as seguintes palavras: Ah! Já ouvi falar  de você. É você quem distribui muitos livros e coleta muito laksmi, também? Preciso muito da sua ajuda. Expliquei que estava indo de férias para Recife e depois retornaria ao Rio. Ele, então, para não perder o contato comigo, entregou-me um pôster de Krishna Gopala acariciando um veadinho pedindo para guardá-lo em minha casa e depois devolvesse a ele pessoalmente. E assim não perderíamos o contato, além da possibilidade de nos rendermos ao Movimento definitivamente.

Na época trabalhava numa empresa de fabricação de papéis como secretária do Gerente de Marketing. Naquela altura já conhecia o Movimento e cantava japa.

 

Aproveitando meu período de férias na empresa viajei juntamente com a minha irmã caçula, Bhutamata, para Recife e fiquei hospedada na casa de parentes.

Um dia saímos com nossas primas para conhecer o centro de Recife e qual não foi a nossa surpresa ao depararmos com um hari nama de devotos a nossa frente. Começamos então a bailar com os braços para cima tal qual o Senhor Caitanya. Os devotos surpresos apontavam para nós. Identificamo-nos ao grupo como devotas vindo do Rio de Janeiro relatando para eles todas as novidades e projetos oficiais quanto à abertura de um templo autorizado por Srila Prabhupada no Brasil. Fui, então, convidada para dar uma aula do Bhagavad Gita na casa do George, onde se procedia todas as reuniões, e lá encontrei uma sala só de tulasis plantadas.

O encontro foi muito harmonioso e o grupo estava muito entusiasta em seguir este processo de vida espiritual. Neste ínterim George recebeu um telegrama de Sriman Mahavira das comunicando o endereço do novo Templo situado na Rua Afrânio Peixoto no Butantã e que todos deveriam ir para lá.

A decisão foi unânime e muitos venderam tudo que tinham e partiram imediatamente para o Templo no Butantã. Esses devotos que vieram de Recife eram: Yagni, Bamaka e uma jovem que fugiu pela madrugada, além do bhakta George que logo depois retornou a Recife para continuar seus estudos universitários. Ele era uma pessoa muito educada e pertencia a uma família de boas condições financeiras.

Logo depois retornei ao Rio de Janeiro. O ônibus levou praticamente 35 horas para chegar à Rodoviária Novo Rio. Minha mãe esperava ansiosa a mais de dois dias na Rodoviária sabendo intimamente em seu coração que poderia perder suas filhas a qualquer momento em prol da missão de Srila Prabhupada.

Ela havia preparado um grande jantar vegetariano na esperança de nos manter em casa junto a ela. Mas nossos propósitos de viajar no dia seguinte para São Paulo já estava profundamente sacramentado em nossos corações. E assim foi. No dia seguinte viajei juntamente com Bhutamata, minha irmã e seu filho de dois anos, depois batizado como Anirudha por Mahavira.

 

Chegada da Iskcon

 

Vyasa Dasa: Naqueles dias, não havia imposições, uns buscavam a associação dos outros espontaneamente. Mantínhamos certo sadhana e seguíamos os princípios porque desejávamos, inexistiam cobranças.

 

Nada tínhamos além da nossa Japa e alguns poucos livros. Ao contrário de qualquer cidade da Índia, em que se tem um templo em cada esquina, na cidade do Rio de Janeiro nada era favorável, muito ao contrário, nosso único conforto eram nossas lembranças e eventual associação. Ante tantas dificuldades que experimentávamos,  a manutenção do nosso serviço devocional era quase uma teimosia, que ia além de entendimentos lógicos.

 

Nós, nascidos dentro de um país de total predominância cultural judaico cristã, onde comer carne, beber cerveja e torcer por futebol é quase obrigatório, e a própria religião imposta admiti tais hábitos, tentar praticar o Vaisnavismo era uma espécie de loucura e não se sabe até hoje de onde vieram as forças invisíveis que permitiram que alguns poucos continuassem mantendo seus ideais. Mas o certo é que, somente em razão deles, a ISKCON pode ser estabelecida nos moldes mais arrojados.

 

O momento histórico em si era conturbado, o Brasil sofria com a ditadura militar, (não que algum de nós tenha sofrido com tal situação), temos, entretanto, de reconhecer que havia no mundo um intenso questionamento acerca dos valores estabelecidos, homens deixavam crescer seus cabelos, mulheres queimavam seus sutiãs nas ruas, os jovens estavam intensamente atraídos pelas drogas.

 

As palavras de Srila Prabhupada, apesar de extraídas de contexto completamente diferente da cultura judaica cristã, apontavam para a paz na contra mão dos hábitos que estavam surgindo como num grito de revolta entre os jovens.

 

 

Raga Bhumi: O termo “pessoas pretensiosas” utilizada no início deste relato, se justifica plenamente quando os mesmos chamam os devotos antigos de “dinossauros”. O certo, dentro de uma família comum, pelo menos dentro dos moldes passados e ainda bastante observado na Índia, é o respeito aos mais velhos, que são pessoas dotadas de sabedoria. Mesmo que esta sabedoria provenha de viver a vida até os 100 anos de idade. A experiência desta pessoa nunca pode ser comparada com a de uma pessoa que está apenas começando ou no meio do caminho. Isto é, se ela conseguir chegar até os 100 anos. Ainda há muito para se aprender, pois a vida por si mesma é uma grande escola. E nosso papel como devotos humildes é conquistar o falso ego sobrepondo o orgulho. A história e a tradição devem ser sempre respeitadas, assim como seus executores dentro da linha Vaisnava. Srila Prabhupada, sem dúvida alguma, era um exemplo de Vaisnava e ele adotou seus discípulos como instrumento para a execução de sua Missão.

 

 

 Vyasa Dasa  - A Verdade é que aquelas pessoas que estavam ali eram a vanguarda da consciência de Krsna, e embora não tivéssemos a associação direta do Guru, para nós só importava a Bandeira de Sri Caitanya Mahaprabhu. Sou consciente de que hoje esses devotos são desconsiderados e chamados de 'dinossauros", mas não podemos ignorar que, em parte, muitos dos que estão hoje na Consciência de Krsna, só estão por que em algum momento do passado, esses embriões de devotos acreditarão no ideal Vaisnava e se prepararam para levá-lo o resto da Vida, e foi ai que Iskcon surgiu no Brasil.

 

Só lamento que tantos amigos tenham se ido. Importante lembrar também, que apesar de só poder falar por mim, sei que meus amigos e irmãos dessa época jamais pleitearam ou pleitearão qualquer tipo de respeito especial, mesmo porque sabemos que fomos apenas e simplesmente meros  instrumentos nas mãos do Supremo, mas agradeço a Srila Prabhupada cada minuto daquela experiência mágica que tivemos a chance de experimentar. Essa lembranças serão só nossas.

 

 

 

 

Os devotos continuavam se reunir regularmente, cada um se virava como podia e de vez em quando fazíamos festivais na Quinta da Boa Vista, onde era distribuída prasada.

 

 Mas o fato é que transcorrido algum tempo, começava ocorrer uma divisão entre os poucos devotos que permaneciam se associando. Um grupo gostava de cantar sentados, como bhajam, outro grupo gostava de cantar dançando. Começava também haver uma certa disputa em relação aos devotos e devotas com formação de casais que afastava um ou outro.

 

ISKCON

 

Sentíamos que começava haver um distanciamento cada vez maior entre os devotos, até que um dia, Pedro Paulo (Prabhu Paravyama Das) me liga, e com certo receio me avisa que devotos da Iskcon  tinham acabado de chegar ao Rio de Janeiro e que não tendo para onde ir, foram parar na casa dele.

 

Confidencialmente, Pedro Paulo, tinha dúvidas se devia recebê-los, afinal eles eram da ISKCON e sempre ouvíamos informações muito desfavoráveis sobre essa parte do Movimento.

 

 

Imediatamente fui até a casa de Pedro Paulo, que naquela época morava com os pais na Urca. Chegando lá, tomei um susto, vendo aqueles devotos vestidos a caráter.

 

Mahavira Dasa e Lokabhandu, impecáveis em seus dhotis e kurta, com uma bela tilaka estampada e japa não mão, de um lado para o outro com trejeitos engraçados.

 

Figuras absolutamente estranhas ao nosso limitado conhecimento de então sobre os devotos. (o dhoti só era usado dentro do templo de Santa Tereza - mas esses devotos tinham a cabeça raspada com uma sika - tufo de cabelo - ornamentavam-se com tilaka e se vestiam-se com roupas de devotos o tempo todo).

 

 Pessoalmente vi naqueles devotos uma nova chance e não pensei duas vezes - AGARREI.  Outros devotos, entretanto,  não fizeram imediatamente e alguns nunca aceitaram plenamente. (Idiossincrasia do destino).

 

TEMPLO AFRÂNIO PEIXOTO - BUTANTÃ/SP

 

Foi surpreendente, Mahavira e LokaBanbhu pegaram o carro velho do Cláudio (Prabhu Catur Murti), uma variant cor de abóbora,  e acompanhados do próprio Cláudio,  Lucio Valera (Loka Shaksi) e Jorge (Jagad Bharata) se dirigiram para São Paulo para estabelecer um templo.

 

Tínhamos ficado associados por quase um mês na casa da mãe do Prabhu Catur Murti, perto da Praça General Osório, no Rio de Janeiro.

 

 Em maio de 1974, lembro bem porque na época com 16 anos de idade, esperei ansiosamente pelas férias escolares de julho para ir de encontro aos meus queridos amigos.

 

Soubemos depois que chegaram em São Paulo e praticamente acamparam nos prédios em Construção da USP.

 

Alguns dias depois, conseguiram alugar uma casa na Rua Afrânio Peixoto e começaram a fazer programas diários, nos, que tínhamos ficado no Rio,  não recebíamos nenhuma notícia. Nenhum Contato.

 

Quando chegou Julho, resolvemos ir a São Paulo, nos juntarmos aos devotos. Prabhu Virocana e Bhakta Carlos, primo de Romeu, e eu pegamos um ônibus a noite na Rodoviária do Rio e quando amanheceu estávamos chegando em São Paulo. Na época a Rodoviária era na Luz. Não tínhamos, então, qualquer pista de onde estavam nossos amigos devotos.

 

Bhakta Carlos (até hoje é Bhakta Carlos - não foi morar no templo e se formou em advocacia - era primo do Romeu) sugeriu que fossemos procurar um devoto da época do Brsni. Segundo ele, Bhakta Carlos, esse devoto morava perto do Jóquei, que ficava perto do Morumbi. Só tínhamos o telefone dele.

 

Pegamos um táxi, subimos a Avenida Consolação, descemos o Avenida Rebouças e quando íamos tomar a direção do Jóquei, o motorista entrou por equívoco na Rua Afrânio Peixoto e ao seguirmos por ela para fazer o retorno, qual foi nossa surpresa em encontrar andando pela Rua as 7:30 da manhã, Prabhu Jagad Bharata e Loka Shaksi Dasa, que justamente naquele momento tinham saído do Templo para ir telefonar.

 

Milagre! Milagre! - era ação direta do Caita Guru.

 

Pare o carro Sr. Motorista, solicitamos desesperadamente - Grande Surpresa.

Até hoje não se consegue explicar o encontro, tínhamos achado os devotos, pela Graça de Srila Prabhupada.

 

Os devotos, já então de cabeças raspadas, usavam dhoti, kurta e Tilaka.

 

Passado aquele momento mágico de êxtase, fomos levados para o Templo, onde nos foi gentilmente servida prasada. Leite quente com banana amassada e Halavah - néctar. Pura Misericórdia - um exemplo do que era aquele momento em Srila Prabhupada ainda estava fisicamente no planeta. Pura Mágica.

 

Raga Bhumi: Já era noite quando chegamos ao Butantã. Tocamos a campanhia e Mahavira juntamente com outro devoto veio atender a porta perguntando quem era. Respondemos que éramos devotas do Rio de Janeiro. Fomos, então, acomodadas num quarto dos fundos, juntamente com outras devotas que lá já se encontravam: Mataji Maha Yogesvara, Erli e sua filha.

Estávamos cansadas da viagem, porém tínhamos que acordar bem cedo para o Mangala aratik. Fomos despertadas, então, ainda de madrugada, pelo canto da japa dos devotos que soava para nós como melodias celestiais. Tomamos um “bom” banho frio, apesar da temperatura baixa de São Paulo. Não havia ainda água quente no banheiro. Só mais tarde devido às necessidades das devotas em certas épocas do mês a água foi instalada.

 

Vyasa dasa: Com 16 anos, era a primeira vez que tinha saído do Estado do Rio de Janeiro, e apesar de saber que logo teria que voltar para retomar meus estudos não pensava em mais nada além de servir meu Gurudeva.

 

O primeiro problema surgiu quando nos demos conta de que tínhamos que fazer sankirtana. O templo precisava ser mantido, o aluguel tinha que ser pago, o programa de domingo tinha que ter bhoga.

 

Na época não existiam livros. Mahavira Prabhu pegou umas latinhas, cobriu-as com fotos devocionais e aí fomos para rua. O Mantra era bem diferente em relação aos dias de hoje.

 

Mendigávamos o dia inteiro. Na época as pessoas estranhavam nossas roupas, eu, de dhoti e kurta. Não tinha ainda raspado a cabeça, afinal aquela era, teoricamente as minhas férias de Julho.

 

Era muito difícil conseguir alguns poucos centavos, apesar da curiosidade que despertávamos, era muito duro.

 

LoKa Shaksi Prabhu não ia a Sankirtana, preferia ficar no templo fazendo faxina. Logo com o tempo extra dele, Mahavira Prabhu comprou um estêncil e começou a rodar umas folhas sobre a Consciência de Krsna.  Nos primeiros dias, as folhas eram todas borradas, mal se lia alguma coisa, mas era melhor que mendigar, sem nada oferecer em troca.

 

Houve um momento em que passamos a fazer Sankirtana com incenso, até que saiu a primeira revistinha "De Volta ao Supremo" com o Titulo "Atato Brahma Jijnasa" com uma foto do Sr. Brhama na flor de lótus e a indagação "Brasil chegou o momento de indagar sobre a auto-realização"? (típico do Mahavira Prabhu).

 

Raga Bhumi: Nesta época, eu e Maha Kala trabalhávamos nas primeiras publicações da Revista de Volta ao Supremo. Não tínhamos muitas facilidades. A máquina de escrever disponível para nós era muito antiga da época de D.Pedro,II assim comparando exageradamente. Mas, as publicações dessas revistas marcaram o início do sankirtana em São Paulo. Todos saíram ás ruas para distribuir as revistas em cada esquina perto do templo. Foi uma festa! Até Mãe Maha Yogesvara participou, incluindo visitantes”.  

 

Vyasa Dasa: Logo quando Mahavira Prabhu chegou foi-nos apresentado muitas revistas "Back to Godhead" onde se podia observar quanto tinha se expandido o trabalho de Srila Prabhupada.

 

Início do Estabelecimento dos Padrões Iskcon - Aos poucos Mahavira foi estabelecendo as regras padrões para manutenção da Consciência de Krsna, qual seja acordar muito cedo na manhã - 4:00 AM, tomar banho, colocar roupas limpas e ir cerimônia de "Magala Arotik" onde se cantava além dos mantras de glorificação dos Gurus, Panca Tatva e o Maha Mantra a Canção "Sansara Davana"  e ao final, após a reverência o mantra de Nrisimhadeva.

 

Após, cantava-se a japa. Tínhamos cerca de 1:30 para cantar 16 (dezesseis) voltas acompanhando o som do gravador que reproduzia Srila Prabhupada Cantando japa Puro Néctar. Eram 5 (cinco) minutos para cada Japa.

Além de estarmos sendo apresentados ao "sadhana" ou regras e regulações para pratica de Consciência de Krsna introduzidas diretamente por Srila Prabhupada, nossa grande expectativa era a vinda de Srila Prabhupada ao Brasil.

De fato, até então cantávamos Japa, seguíamos os princípios e nos associávamos, mas surgia novos elementos, "acordar de madrugada", "cantar japa todos juntos",  "os princípios básicos de adoração de deidades" "as novas canções" (antes só conhecíamos os mantras de oferecimento aos mestres, o Panca Tatva  e o Maha Mantra, além do Mantra para Nrsinhadeva e Hari Haraya) e principalmente SANKIRTANA ou "distribuição de livros" que merece um capitulo a parte. 

 

Como todos sabem "Sankirtana" significa "canto congressional dos Santos Nomes" e foi introduzido diretamente por Sri Caitanya Mahaprabhu, que demonstrou muitas vezes na prática.

Todavia "Sankirtana" para os nossos novos amigos devotos tinha um significado a mais - distribuição de livros. No início como não existiam livros publicados em português, nos simplesmente pedíamos doações sem nada dar em troca. Tão logo começaram a serem publicados os livros, os devotos passaram não vender, porque como Sociedade sem Fins de Lucros, não podia haver comércio, mas ao aceitar as doações dar em troca livros que sem dúvida eram as bases, pregação a essência e pureza o princípio.

 

Temos lembrança de muitas e muitas situações de distribuição de livros que colhidas no dia a dia era fonte de alegria entre os devotos nos momentos de lazer e que tentaremos mais adiante trazer de volta para o deleite de todos os devotos.

 

Todavia o fato que gostaria de chamar atenção é que, sem distribuição de livros nada podia acontecer, porque deles dependiam o pagamento do aluguel, das contas, da prasada do dia a dia e de tudo mais, criando ai uma situação controvertida ante os anseios dos "assim chamados lideres da época" que ao invés de atuarem como Acaryas, dando o exemplo, ficando simplesmente esperando o resultado do Sankirtana dos devotos, para depois se auto conclamarem diante de Srila Prabhupada como realizadores do feito, embora, male male atuavam nos bastidores. Com o passar do tempo essa questão se tornou complexa, pois dai derivavam inclusive os projetos dos "lideres" que ainda por cima não abriam mão de "primeira classe" nas suas viagens.

 

Bem, voltando a 1974, Infelizmente, Srila Prabhupada, não pode vir, e embora com o meu Sankirtana tivesse coletado o suficiente para ir e voltar umas dez vezes até "Caracas" onde Srila Prabhupada chegou, tive mesmo é que voltar para casa dos meus pais, posto que, naquele momento já então tinha abandonado a escola. Mahavira foi estar com Srila Prabhupada, em Caracas e na volta trouxe Hrdayananda Maharaja, naquela época sanyase responsável pelo Brasil.

Os outros devotos tinham que fazer "sankirtana" para pagar o aluguel.  Era mês de outubro e meus pais vieram a São Paulo me buscar. Tive ainda tempo de ver o primeiro livro de Srila Prabhupada publicado em Português(Além do Nascimento e da Morte e Fácil Viagem a Outros Planetas).

 

                             

 

 

A Primeira Onda - Parte II (continuação......)

 

 

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