Não Faz Muito Tempo.......

 

  Purushatraya Swami

 

Eu ainda peguei a época em que Narayana Maharaj era amigo da Iskcon. E isso   não faz muito tempo. Todos os anos, no dia do aparecimento de Sri Balarama   NM comparecia ao Krishna-Balarama Mandir de Vrindávana e dava palestras   sempre inspiradoras. O recinto do templo ficava pequeno de tantos devotos   ávidos por néctar. Em outra comemoração, como o dia do desaparecimento  de   Srila Prabhupada, a cerimônia é sempre feita no pátio do templo. Acharyas   das diversas missões gaudiya-vaishnavas de Vrindavana, como Srila   Bhaktivaibhava Puri Maharaj, da Sri Krishna-Caitanya Mission, entre outros,   vêm todos os anos para glorificar o serviço prestado por Prabhupada ao   Vaishnavismo e exaltar suas qualidades de devoto puro. A presença de NM   nessa auspiciosa comemoração sempre era esperada com expectativa. Ele,  que   tivera uma associação tão próxima e amorosa com Srila Prabhupada, podia   muito bem expressar a dimensão espiritual de seu tio espiritual. Em  outra   data, no Visvarupa Mahotsava, dia em que Srila Prabhupada tomou  sannyasi, a   cerimônia era celebrada na Sri Keshavaji Gaudiya Math, em Mathura, templo de   NM. Os devotos da Iskcon sempre compareciam em peso. O sannyasa de Srila   Prabhupada era devidamente glorificado como sendo a grande benção para a   salvação dessa humanidade contemporânea tão caída. A vida e missão de Srila   Prabhupada eram devidamente apreciadas e todos ficavam muito inspirados.   Após a cerimônia, sempre com a presença de vários sannyasis, num  espírito de   saudável irmandade espiritual, suntuosa prasadam era oferecida para  todos.   Durante o mês de Karttika, lembro-me das vezes que participei do Vraja   Mandala Parikrama, a peregrinação de um mês pelos lugares sagrados onde  o   Senhor Krishna executou seus passatempos eternos nesse mundo. NM sempre   visitava nosso grupo e deliciava-nos com o mais puro néctar de   Krishna-katha. Era agradável de ver a relação entre Lokanatha Swami,  líder   do grupo da Iskcon, com o sannyasi sênior NM. A passagem do parikrama por   Mathura não se completava sem o darshana de Sri Mahaprabhu e Sri Sri   Radha-Vinodabihari no templo de NM. Da mesma forma, quando o Navadvipa   Parikrama, que por sete dias visita os lugares de peregrinação da   Gauranga-lila, passava pela cidade de Navadvipa, a visita a Sri  Devananda   Gaudiya Math era obrigatória. Lá, tínhamos o darshana do samadhi-mandir  de   Sri Bhakti Prajnana Keshava Gosvami Maharaj, guru-maharaj de NM, e, também,   Sri Gaurasundara e Sri Sri Radha-vinodabihari, assim como um dos   dashavataras, Sri Varahadeva, que executou passatempos nessa área de  Koladvipa. Às vésperas do Janmasthami, aparecimento de Krishna nesse mundo,  a tradição era a parada pelas ruas de Mathura, promovida pela Sri Keshavaji   Gaudiya Math, com banda de música, carros alegóricos e harinama. Todos  os   devotos do Krishna-Balarama Mandir eram convocados a participar. No final, grande festa de prasada. Em outra ocasião, estava eu em Vrindavana, quando a Sri Rupa-Sanatana Gaudiya Math, ashram e templo de NM, foi inaugurado.

 

No dia auspicioso do desaparecimento do líder da sampradaya de Sri Caitanya,  Sri Rupa Gosvami Tirobhava, depois de prestar minhas homenagens em seu  samadhi-mandir no Radha-Damodara Mandir, fui até a matha de NM. Lá, NM  estava conduzindo a cerimônia. Ao ver-me, convidou-me a estar ao seu lado e  pediu-me que dirigisse umas palavras ao publico presente. Lembro-me que  citei o verso "anyabhilasita-sunyam...", do Bhakti-rasamrta-sindhu de Rupa  Gosvami, que define o mais elevado estágio de devoção a Krishna,  uttama-bhakti. Senti-me bastante honrado com essa deferência. Em outra  ocasião, no final do mês de Karttika, NM convidou todos os devotos daIskcon  para um super-festival de prasada em sua math de Vrindavana. Centenas de  devotos foram suntuosamente alimentados. Nesse dia fiquei conversando  demoradamente com ele em seu quarto. Ele sentado na cama, e eu no tapete,ao  pé da cama. Ele estava interessado em saber como era a pregação no Brasil e  outras coisas. Semanas depois, andando sozinho pelas ruas de Vrindavana,bem  cedo pela manhã, deparei-me com ele, também sozinho. Ofereci-lhe  reverencias, e ele, reconhecendo-me, disse: "Como é mesmo seu nome?..." E  assim, depois breve troca de palavras, num humor de amizade e respeito  espiritual, cada um seguiu seu caminho.  Não faz muito tempo em que essas coisas aconteceram. Sei, também, de vários  casos de devotos da Iskcon que  aproximaram-se de NM por diksha, poistinham  perdido seus gurus e buscavam reiniciação. NM aconselhou-os, então, a erem  iniciados por um guru da Iskcon. Em outra feita, um sannyasi da Iskcon,  amigo meu, apontado para iniciar no movimento, aproximou-se de NM paraouvir  sua opinião e conselhos. Ele me disse que NM deu-lhe uma tremenda força.  Insistia que ele devia ir em frente com confiança a fim de darcontinuidade  ao parampara de Prabhupada. Lembro-me bem da descrição dada por esse  sannyasi. Ele disse-me que NM tinha lhe dito que, mesmo que o mestre  espiritual não seja um uttama-adhikari, o fato de ele estar sempreavançando  na direção de Krishna garante-lhe sua capacidade de dar abrigo paraaqueles  que também estão indo nessa direção, principalmente, no caso da Iskcon,que  os discípulos diretos de Prabhupada ficaram órfãos, com a tremenda  responsabilidade de seguir com a missão de seu guru-maharaj.  O caso é que a situação, hoje em dia, mudou radicalmente.Infortunadamente,  existe, no momento, uma rusga entre a missão de Prabhupada e o grupo deNM.  Essa situação vem minando as relações entre os Vaishnavas e enfraquece o  movimento de sankirtana do Senhor Caitanya que tem como missão difundir a  consciência de Krishna pelo mundo. Constatamos que as duas entidades ainda  não estão maduras suficientes para superar as diferenças e viver em  harmonia.  Esse mal-entendido agravou-se quando um grupo de devotos, bastante  proeminentes na Iskcon, que por anos tiveram associação muito íntima com M,  romperam com ele. Se esse afastamento tivesse sidofeito de forma menos  dramática, certamente a situação atual seria diferente. Mas acontece quefoi  tudo muito emocional e os ânimos se exaltaram. NM foi certamente ofendido  com essa ruptura, mas não se pensava que sua reação fosse tão contundente.  Agora, resta-nos orar a Krishna para nos dar inteligência e bom-senso para  lidar com esse impasse.  Um ponto crítico, que causou agitação aos devotos da Iskcon, foram certas  colocações feitas por NM, em que a posição de Srila Prabhupada era  questionada e, de certa maneira, um tanto minimizada. As diferenças entre a  linha em que Srila Prabhupada conduziu sua missão e o estilo de NM, umamais  voltada à pregação e a outra mais na linha intimista de raganuga-bhakti,  ficaram de tal forma acentuadas que, no momento atual, parecem ser  incompatíveis. Todos saem perdendo nessa situação. Ao invés de unirem-seas  forças e complementarem-se, um clima de discórdia, muito querida por Kali,  instalou-se no seio das duas entidades irmãs.  O grupo de NM vive, no momento, seus dias de glória, pois muitos devotosda  Iskcon deixara a instituição e filiaram-se ao novo grupo. A Iskcon, porsua  vez, depois de mais de vinte anos da passagem do fundador-acharya,  experimentou sua maior crise. Isso deveu-se, principalmente, ao fato deque  alguns líderes do movimento caíram de sua posição espiritual, abalando com  isso a vida espiritual de muitos devotos. Esse fato é explorado pelo grupo  de NM, que generaliza a situação, e afirmam que todos os devotos da Iskcon  devem ser reiniciados por NM, pois os gurus da Iskcon não sãoqualificados.  Esse discurso fez com que muitos devotos abandonassem seus gurus, mesmo  tendo esses um padrão espiritual impecável, e tomassem abrigo em NM, que  tem, naturalmente, a seu favor o peso da idade, carisma, nacionalidade  indiana, muitos anos de vivência na vida espiritual e outros atributos  espirituais.  A situação psicológica de um dissidente sempre apresenta um perfil bem  característico. O dissidente, a fim de justificar sua mudança, a si e aos  outros, normalmente descarrega uma bateria de críticas à instituição que  rejeitou. Essas críticas, na maioria das vezes, são emocionalmente  carregadas e destinam-se a ferir seus ex-companheiros. Qualquer problemaque  tenha a instituição que ele deixou é motivo para um tipo de prazer  pervertido. Na verdade, ele está sempre torcendo por mais e maisproblemas,  pois isso lhe dará o conforto mental que ele necessita para justificar sua  infidelidade. Isso fica bem evidente quando vemos a intensa curiosidade e  ânsia por fofocas e boatos sobre a Iskcon que os dissidentes sempre  demonstram.  No meu entender, esse interesse por fofocas é, exatamente, a  reação que a pessoa recebe por infidelidade e ofensas. Não se vê bondade,  espírito de cooperação, reconhecimento, solidariedade e empatia quedeveriam  ser cultivados entre instituições vaishnavas irmãs. Os mais elevados  sentimentos espirituais da consciência de Krishna ficam assim poluídos com  os mais baixos estados de consciência.  Uma coisa que já foi bastante questionada por muitas pessoas sensatas é a  obstinação de NM e seus seguidores em arrebanhar devotos da Iskcon. Muitos  de seus programas são feitos propositalmente em centros da Iskcon ou nas  proximidades. Isso tem causado muita tensão e naturalmente cria um climade  desavenças. Ninguém resiste muito tempo a provocações. Quando um mal-estar é  assim criado, isso é, então, apontado como intransigência por parte da  Iskcon. Esse impasse tem comprometido até a noção de civilidade que deveser  natural num vaishnava.  Dentro de poucos dias, NM e seu grupo estará promovendo programas na área do  Rio, próximo a Vrajabhumi. São, geralmente, programas muito bem produzidos  pois, à parte do carisma de NM, estarão também presentes alguns sannyasis  com proficiência shastrica, uma famosa representante feminina, e um clima de  Vaikuntha é produzido. Uma produção para impressionar, e, normalmente,tudo  é muito bem feito. O problema maior é o "dia seguite", quando NM segue sua  viagem, o resultado que fica é sempre o mesmo: um pequeno grupo de devotos  deslumbrados, confusos e iludidos ofendendo seus irmãos da Iskcon, como seo  sentimento anti-Iskcon fosse parte de sua religião. Esse é o fruto deminha  observação, já por alguns anos.  Tenho também observado que muitos devotos da Iskcon, mais inexperientes,  ficam perplexos e desorientados por tudo isso, pois em meio a toda essa  turbulência psicológica, existe, contudo, muito néctar de Krishna-katha.  Quando NM expõe a consciência de Krishna como ela é, é, sem dúvida, puro  néctar. Mas quando entram questões institucionais e sectárias na base de  amigos/inimigos, meu grupo/outro grupo, meu guru/seu guru, proselitismo  selvagem, fanatismo, etc., aí então, o veneno passa a se misturar com o  néctar. Minha constatação é que a Iskcon já passou, também, por fase similar  e isso foi causa de situações e problemas que até hoje ainda apresentam  conseqüências negativas. Após trinta e oito anos de existência da Iskcon,  estamos agora começando a amadurecer e aprendendo a conviverharmoniosamente  com as diferenças. Mas ainda temos muito que nos aperfeiçoar. Desejamos  também que nossos irmãos espirituais de outras missões aproveitem essas  experiências.  Os devotos da Iskcon, por sua vez, devem manter sua auto-estima elevada,  mesmo diante de provocações, insinuações e campanhas que visam minar a fée  confundir os devotos. Em todos os programas da Iskcon é certo encontrar  devotos do grupo de NM fazendo o que eles consideram ser "pregação". Isso  tem provocado muitas cenas desagradáveis e acirrado os ânimos. A maioriade  devotos da Iskcon possuem experiência da consciência de Krishna somente  restringida ao movimento no Brasil e não tem muita familiaridade com a  tradição gaudiya-vaishnava na India. Ficam, portanto, vulneráveis a toda  dialética destinada a introduzir dúvidas na mente e perder sua fé namissão  de Srila Prabhupada.  Nesse ponto, quero deixar bem claro que não é minha intenção atiçar abrasa  da discórdia ao apontar certas discrepâncias no relacionamento das duas  missões. Posso até ser taxado de "ofensor", ou amaldiçoado à condenação  eterna, devido ao zelo apaixonado de certos devotos. Mas, quanto a isso,  fico tranqüilo e onfiante pois vejo que meu coração não se deixa afetar  pela emoção barata do fanatismo e meu intuito é ver o movimento do Senhor  Caitanya vencedor. Para mim, tudo isso não passa de tatastha-lakshana,  fatores externos. A consciência de Krishna , em sua essência, tem um tesouro  incalculável para oferecer ao mundo. Meu respeito e apreciação por NM  mantém-se intactos, e tenho, inclusive, vários amigos em seu grupo, e não  vejo nenhum benefício em tê-los como inimigos.  Srila Prabhupada nos deixou o melhor em serviço devocional: Templos,  deidades, publicação, distribuição, harinama, Alimentos para Vida,  Ratha-yatras e festivais, comunidades rurais, gurukulas, restaurantes,  institutos de ciência e filosofia, etc. Srila Prabhupada nos deixou a  tradução e comentários do Srimad-Bhagavatam, Sri Caitanya-caritamrta,  Bhagavad-gita, Néctar da Devoção, Sri Ishopanishad, Upadeshamrta, etc.Toda  informação básica da consciência de Krishna está nesses livros. É só a  questão de lê-los e rele-los. Lembrem-se que, pelo fato da instituição  Iskcon estar vivendo alguns problemas, nós temos que aprender com nossos  erros do passado e tratar de retificar as falhas, amadurecer e crescer de  forma saudável. Esse é o processo natural da vida. Aprender com as  experiências e sempre melhorar. Temos que mudar a qualidade de nosso  serviço: passar de quantitativo para qualitativo. Temos que ter completafé  de que Srila Prabhupada nos deu tudo para que qualquer pessoa possa  desenvolver amor puro por Sri Sri Radha-Krishna. Isso era reconhecido por NM. E, não faz muito tempo...