A IRA TRANSCENDENTAL DE SATYABHAMA

Uma vez Krishna e todas as Suas rainhas estavam sentados no salão da assembléia. Algumas O abanavam com um abano de penas de pavão, outras O abanavam com uma camara e algumas O serviam de inúmeras outras maneiras. Nessa ocasião chegou Narada Muni trazendo uma flor parijata dos planetas celestiais. A parijata era tão bela, tão fragrante e tão doce que perfumou toda Dvaraka. Narada Muni se aproximou de Krishna e pediu:
- Estou oferecendo esta flor para Você. Gostaria que Você a desse para a Sua rainha mais querida na minha presença.

Krishna imaginou:
- Narada é muito esperto e sabe como Me criar um problema.
Ela sabia que se desse a flor para qualquer rainha, Suas outras esposas iriam ficar perturbadas e iradas com Ele. Ele pensou:
- Por que Narada está fazendo isso? O que vou fazer?

Narada Muni insistiu para que Krishna desse a flor para a Sua rainha favorita, dizendo que ele ficaria muito feliz com isso. Portanto Krishna não encontrou um meio de escapar. Ele pensou:
- Não posso enganar Narada porque ele é muito vivo.

Assim, Ele pegou a flor parijata e contemplou todas as Suas belas rainhas. Todas elas estavam pensando:
- Krishna gosta mais de mim do que das outras.

Todas tinham certeza disso, porque sempre que Ele se encontrava com qualquer uma delas, dizia:
- Ó, você é Minha rainha mais querida!
Portanto cada uma delas estava convencida que iria receber a flor. Como Rukmini é a mais rainha mais antiga, Krishna colocou a flor parijata nas mãos dela e ela ficou muito feliz. Ela imaginou:
- Sou uma felizarda. Sou a mais querida de Krishna. Agora ficou claro que sou a Sua favorita.

Ao verem isso, os lábios das outras rainhas começaram a tremer, especialmente os de Satyabhama. Ela ficou irada como uma cobra venenosa que fica muito perturbada quando provocada com uma vara e começa a sibilar.

Enquanto Narada Muni saboreava essa cena, Krishna considerou que agora estava em apuros e imaginava o que fazer. Satyabhama estava tão irada que não podia se controlar ou esconder as suas emoções. Ela saiu da assembléia imediatamente e, tirando os seus belos ornamentos e vestes reais, saiu voando para a “sala da ira.”

Antigamente na Índia os palácios reais tinham uma kopa-bhavan (sala da ira). Quando uma rainha qualquer estava irada, mal-humorada, ela retirava os seus ornamentos reais, punha vestes velhas, sujas e maltrapilhas e entrava ali. Sentada ou deitada — não numa cama mas no chão, ela ficava chorando e se lamentando. Então se o rei a ouvisse, ele ia vê-la, descobrir o motivo da ira e deixá-la satisfeita.

Lá na kopa-bhavan, Satyabhama chorou bem alto, dando suspiros profundos. Krishna estava atento para a gravidade do problema e deixou a assembléia. Ele entrou na sala silenciosamente. Então sentou ao lado dela e tentou acariciar-lhe os pés, mas ela reagiu de uma maneira furiosa como uma cobra feroz e chutou as mãos dEle.

Krishna era muito esperto e sabia como tratar a ira das senhoras, porque Ele já tinha tido muita experiência em Vrindavana com as gopis. Como Ele já havia acalmado ®rimati Radhika inúmeras vezes, para Ele era fácil acalmar Satyabhama. Krishna não precisava da Sua flauta em Dvaraka, porque a ira das rainhas não era tão intensa a ponto de Krishna precisar da flauta para acalmá-las. Se Ele simplesmente exibisse alguma ira em resposta à ira delas, elas acabavam ficando submissas. Uma vez Krishna estava glorificando as gopis na assembléia real. Satyabhama não podia tolerar isso e saiu de lá. Krishna ficou irado e anunciou o Seu aborrecimento para toda a assembléia. Ele disse:
- Ela deve ir embora do Meu palácio! Não quero mais vê-la.

Alguém foi contar para ela o que Krishna disse e ela regressou imediatamente — a ira dela acabou e foi substituída pelo humor de submissão.
Por outro lado, as gopis não viviam no palácio de Krishna, nem Ele as sustentava com comida, vestuário, etc. Portanto elas não estavam de modo algum subordinadas a Ele. Ou seja, elas eram svatantra, independentes como Ele. Elas podiam castigá-lO, e no entanto
 Ele não podia castigá-las. Elas podiam dizer:
- Vá embora daqui! Não é Você que nos sustenta. Não recebemos nada de Você.

Então Ele não podia acalmá-las facilmente. Quando Krishna falhava na tentativa de acalmar as gopis, Ele procurava a ajuda de Lalita e Vishakha. Se isso também falhasse Ele iara buscara a ajuda de Subala.  E se isso também  fracassasse, Ele pegava a Sua vamshi e tocava num tom baseado em karuna-rasa, lamentação devido à separação. Através da Sua flauta Ele dizia para as gopis:
- Eu não posso viver sem vocês. Estou morrendo, estou morrendo!

Então elas tinham que aceitá-lO novamente.
Uma vez, devido ao comportamento de Krishna, ®rimati Radhika estava sentindo tanta mana (ira de ciúmes transcendental) que Ela não queria encontrá-lO. Passaram-se muitos dias. Krishna estava lamentando amargamente e desejava encontrar uma maneira para acalmá-lA. Portanto Ele foi buscar refúgio nos pés de Lalita e Vishakha, que sussurraram algumas sugestões no ouvido dEle. Seguindo o conselho delas, Ele foi pela manhã até a casa de ®rimati Radhika em Jawat vestido como um estudante pedindo esmolas. Usando um cordão sagrado, sandálias de madeira e levando uma sombrinha feita de folhas de palmeira, Ele dizia:
- Sou um brahmacari, um shishya (discípulo) de Gargacarya. Só permaneço numa casa o tempo suficiente para se ordenhar uma vaca. Se Eu for embora de mãos vazias, vocês terão que sofrer inúmeras calamidades. Suas vacas poderão morrer ou o dono das vacas poderá morrer juntamente com todos os membros da família.

Jatila, a sogra de ®rimati Radhika, viu esse belo estudante, tão brilhante quanto o sol, esmolando como fazem os sannyasis mayavadis, proferindo o nome do Brahman impessoal nirguna:
- Alaka niranjana! Alaka niranjana!

Vendo que Ele estava pedindo esmolas, Jatila desejou dar-Lhe uma doação, mas Ele se recusou a aceitar alguma coisa dela:
- Não posso saber se você é casada, solteira ou viúva. Se nesta casa houver alguma senhora casta que exiba os sintomas de ser casada, só então é que Eu aceitarei algum donativo.

Jatila entrou dentro de casa e disse para ®rimati Radhika:
- Minha filha querida, chegou aqui um estudante de yoga muito poderoso e os raios que emanam do corpo dEle são como a refulgência do sol. Ele parece um erudito dos Vedas. Não O desobedeça e nem O desrespeite. Por favor vá Lhe dar um donativo.

®rimati Radhika recusou:
- Você vive me acusando de ser incasta e ficar falando com rapazes, não vou sair mesmo que Ele seja um erudito ou um yogi, ou mesmo que Ele tenha todas as outras boas qualidades.

Jatila insistiu com Ela, mas ®rimati Radhika não tinha nenhuma vontade de ir. Jatila então foi dizer para Lalita e Vishakha:
- Ela não vai me obedecer. Se Ela não der um donativo para este rapaz, nossas vacas irão morrer e o meu filho Abhimanu também vai morrer. Por favor me ajudem.

Lalita e Vishakha foram até ®rimati Radhika e disseram-Lhe:
- Você deve obedecer a Sua sogra e dar algum donativo para este erudito.
De alguma maneira elas fizeram com que Ela concordasse. Radhika pegou alguns grãos, atta (farinha), ghee, dahl, moedas de ouro e outros objetos valiosos e os colocou num pote de ouro. Então, cobrindo a Sua face completamente com o véu, para que ela não pudesse ser vista, saiu do Seu aposento com a ajuda das outras sakhis e se aproximou do local onde Krishna estava. Ela começou a colocar os donativos na sacola de esmolar dEle, mas Krishna recusou, dizendo:
- Não poso aceitar isso. A única razão de Eu ter vindo de tão longe até aqui é pedir para Você colocar a Sua ira na Minha sacola. Se Você simplesmente sorrir e deixar a Sua ira, vou ficar satisfeito. Caso contrário vou morrer.

Apareceu um sorrizinho no rosto de ®rimati Radhika assim que Ela despejou o conteúdo do pote, não na sacola dEle, mas sobre a cabeça dEle. Rindo, Ela voltou para casa imediatamente com as Suas sakhis e Krishna ficou satisfeito.
Krishna tinha que tentar acalmar ®rimati Radhika e as gopis de inúmeras maneiras. Se a Sua vamshi falhasse, se Lalita e Vishakha falhassem, se ®ridama e Subala também falhassem, e se Ele mesmo falhasse, então Ele tinha que descobrir um novo método.
No entanto, em Dvaraka Krishna não usava a Sua vamshi, Lalita, Vishakha, as gopis , Subala ou ®ridama. As Suas palavras eram como açoites e logo tratavam da ira das rainhas. Mas esta era a Sua arma final. Aqui Ele falou com Satyabhama com uma voz muito meiga:
- Por que você está tão irada? Eu só dei a Rukmini uma flor. Vou dar para você uma árvore inteira de flores parijata e vou plantá-la no seu jardim. Por favor não fique brava.

Satyabhama respondeu:
- Vá embora, não quero ver Você! Você é um mentiroso e um trapaceiro. Não posso acreditar numa só palavra do que Você diz. Você já disse inúmeras vezes para cada uma de nós que éramos a Sua preferida. Você diz isso mas não é verdade. Você vive nos enganando.

Krishna disse:
- Não estou enganando você. Tenha fé em Mim. Pode Me testar. Por favor Me dê outra oportunidade.
- Sim, vou Lhe dar mais uma oportunidade. Como Você disse que pode plantar uma árvore parijata cheia de flores no meu jardim, então eu vou ficar contente com isso.
Krishna então sentou com Satyabhama no dorso de Garuda e eles viajaram até o reino de Indra — e no caminho Ele matou o demônio Narakasura. Quando chegaram no céu, Krishna disse para Indra:
- Você vive dizendo que é Meu amigo. Agora vim pedir para você uma árvore parijata. Vou levá-la para a Terra e plantá-la no jardim de Satyabhama. Nandana-kanana está cheio de árvores parijata. Para Me deixar contente você deve Me dar uma árvore de lá.

Indra respondeu:
- Ó, Você é muito atrevido. Vá embora do céu e volte para a Terra. Não dou nem sequer uma flor de árvore parijata para pessoas mundanas, o que falar de uma árvore inteira. Como foi que Você foi capaz de vir até aqui? Ninguém pode entrar no céu sem realizar austeridades por milhares de anos. Vá embora logo.

Krishna disse:
- Vim para cá com o único propósito de levar a árvore, que agora vou arrancar.
Enquanto Indra recusava peremptoriamente, Krishna levado por Garuda, foi para Nandana-kanana, arrancou uma árvore parijata e começou a Sua jornada de volta para Dvaraka. No meio do caminho, Indra, com o seu filho e todos os seus soldados atacou Krishna na tentativa de recuperar a árvore. O filho de Krishna, Pradyumna, veio e derrotou o filho de Indra, Jayanta. O próprio Krishna derrotou Indra  e os seus soldados e aí regressou para Dvaraka.

Ele então chamou todas as rainhas para a casa de Satyabhama e diante de todas elas, plantou a árvore parijata no jardim dela. Agora Satyabhama estava muito feliz e tentava honrar todas as outras rainhas. Se Krishna tivesse dado a árvore para Rukmini, Satyabhama nunca teria ido ao palácio de Rukmini. Mas vemos que Rukmini estava presente no palácio de Satyabhama e estava muito séria. Ela agora pensava:
- Ó Krishna está mais satisfeito com Satyabhama, que agora é a Sua esposa predileta.

Mas ela não revelava nenhum sintoma de infelicidade.
Apesar de aparentemente haver alguma inveja em Dvaraka, na verdade não há a menor chance de existir ali qualquer emoção de inimizade. Ou seja, esse é um estágio de aprakrita-prema (amor transcendental) para a satifação de Krishna. No entanto, apesar de num sentido a afeição e o serviço que Satyabhama tem por Krishna serem de alta classe, eles não são unnatojjvala. Essa é uma singularidade das gopis.

Extraído do “Auge da Devoção” de Srila Bhaktivedanta Narayana Maharaja

dasa dasanudasa
Satyaraja dasa